Bíblia: um livro de letras mortas

INRI CRISTO sempre nos ensina que a Bíblia é um livro de letras mortas; só ao ser humano inspirado pelo ALTÍSSIMO é facultado compreender os enigmas das Sagradas Escrituras e decifrar seus mistérios sem descer a ladeira do fanatismo. O livro “Da Bíblia aos Nossos Dias”, do inspirado escritor Mário Cavalcanti de Melo, busca retratar essa realidade. Convida os leitores a raciocinar com lucidez e coerência sobre questões bíblicas que outrora custaram milhares de vidas, quando se impunha o medo e o terror às mentes subjugadas pelas trevas da ignorância. Eis porque INRI CRISTO reitera o que disse há dois mil anos e suas palavras valem para sempre: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres’ (João c.8 v.32).

Livro ‘Da Bíblia aos nossos dias’, de Mário Cavalcanti de Melo.

Por se tratar de uma obra rara, extraímos alguns trechos para facultar aos seres raciocinantes uma fração de conhecimento salutar:

“(…) No século em que vivemos, em que a fé encara sobremaneira a razão face a face, a moral e a ciência bíblicas não nos podem mais servir. Mais de quatro mil anos separam a humanidade dos velhos tempos bíblicos. E por que se continua a ministrar nas escolas ensinamentos dessa natureza, fazendo acreditar a vítimas inocentes que tudo o que se encontra entre as páginas daquele palimpsesto carcomido pela traça do tempo, é verdadeiro, emana de DEUS? Não será isso uma crueldade? Por que incutir na criança a ideia de um DEUS vingativo, rancoroso, de um Deus que só sabe se sua obra é boa, depois de termina-la? De um Deus que se arrepende? Por que fazer conhecer a nossos filhos a história hedionda de massacres, de roubos, de pilhagens e de fatos que ferem a moral?

(…) A igreja de Roma, tão distante hoje e mais ainda no passado, do Cristianismo primitivo, porque assim procedesse, cobriu-se de nódoas indeléveis, no martírio a que submeteu homens dos mais notáveis. Quando não os levava à fogueira ou à prisão, condenava-os a uma vida de eterna inquietude, fazendo-os sofrer as agruras da mais tenaz perseguição. De outra forma, capacitada de que o “papa” era o representante legítimo de São Pedro, não teve ela o cuidado de selecionar entre os seus mais virtuosos vigários, homens que dignificassem com o seu poder o pontificado de Jesus e comandassem da cátedra pontifícia a comunidade dos fiéis.

(…) É uma lógica que não pode ser renegada por ninguém: se DEUS tivesse que eleger seus representantes na Terra, Ele iria escolher, certamente, os mais virtuosos e não entregaria a homens desclassificados o destino de sua igreja.

(…) Assim, a História nos conta que homens da pior espécie existentes no mundo reinaram no Vaticano, dando pela sua cupidez, egoísmo e perversidade, não só os mais nefastos exemplos, como, também, certa descrença na sua pseudo infalibilidade. Do século XI até o século XII, a história dos papas é de causar vertigem. A loucura de Calígula, a ferocidade de Nero, a luxúria de Heliogábalo reaparecem. No século X, os condes de Tusculum entregam a Santa Sé às cortesãs e aos bandidos. João XII, “papa” aos 17 anos, instala o seu harém em Latrão, e sagra um diácono em uma estrebaria. Bonifácio VII, destronado após 42 dias de pontificado, foge para Constantinopla com o tesouro da Igreja. Volta após a morte de Oton II, faz morrer de fome o seu sucessor João XIV nos poços de Santo Ângelo e arranca os olhos aos seus cardeais. Bento IX leva uma vida tão horrível que tentam estrangula-lo no altar… Este papado demoníaco, ou profundamente miserável, essa Igreja manchada por todos os crimes, que se curva à brutalidade do século, tornou-se o horror e o tormento da cristandade… A consciência popular que via a mão de DEUS em todas as crises da História como em todos os fenômenos inquietantes, condenava silenciosamente a igreja de Roma. Se DEUS permitia tais catástrofes, era porque entregava à milícia de Satã os pastores cristãos.

(…) No começo do século XIX, escreve Pompeyo Gener, grande número de bispos são casados. Só na Bretanha conta-se nada menos de quatro. Seus filhos herdam do episcopado. Todo o clero imita os bispos; os clérigos que não têm mulheres, têm concubinas; à falta de mulheres próprias, tomam as dos outros. As prerrogativas eclesiásticas são, como tudo o mais na igreja de Roma, um meio de extorquir dinheiro ou de galgar uma posição rendosa; vende-se um bispado como se fosse uma propriedade, um feudo, a que se anexam direitos hereditários.

(…) Quando Cristo, o sublime pregador do Cristianismo, se esmerava em dar o conforto moral aos infelizes, aos deserdados da sorte, aos leprosos, aos indigentes, destaca o papado confessores para as câmaras reais, mas nunca tiveram tempo os dignitários da igreja para rezar uma missa por um pobretão infeliz que morresse na via pública. É comum, no entanto, verem-se estampadas nas colunas dos jornais, as missas destes príncipes em favor da alma de um presidente de República ou de um senhor ministro de Estado. ‘Se, com efeito, alguma coisa de genial saiu do Catolicismo, foi certamente um sistema de tortura tão perfeito, tão requintado, que deixa a perder de vista as legislações mais bárbaras e os costumes mais selvagens’. A despeito das defesas capciosas que apologistas católicos têm arranjado, visando irresponsabilizar a igreja pelos crimes perpetrados por esse terrível tribunal, em nome de um Deus que se proclama infinitamente misericordioso, a História nos diz pela voz dos teólogos, pelas bulas pontificais, pelos atos canônicos, que à Santa Sé cabe a autoria de um regime de crueldade como não há igual na crônica dos povos que se não banharam na água lustral do Cristianismo.

(…) Tudo era motivo de condenação por parte desses juízes execráveis. Uma interpretação diferente daquela adotada pela igreja, uma teoria mais avançada sobre a gênesis da Terra e do homem era motivo bastante para que se atirasse impiedosamente à fogueira uma criatura humana. O direito de defesa era praticamente vedado, pois ninguém se atrevia a amparar um réu do Santo Ofício, uma vez que era sabido que o defensor cairia fatalmente nas iras desses juízes de consciência negra. O delator era naquele tempo cercado das mais distintas considerações. Eis as palavras do abade Berlier: ‘Não se confrontam os acusados com os delatores, e não há delator que não seja ouvido; um inimigo condenado pela justiça, uma criança, uma cortesã, são acusadores graves. O filho pode depor contra o pai, a mulher contra o marido, o irmão contra o irmão. Enfim, o acusado é obrigado a ser o seu próprio delator, a adivinhar e a confessar o delito que lhe é atribuído e que ele muitas vezes ignora…’

(…) As descobertas da Astronomia, porque desmentissem ou anulassem determinadas passagens das Escrituras, movimentaram todo o Sacro Colégio. Os prelados eminentes, responsáveis pela integridade da gênesis bíblica, moveram tenaz perseguição aos sábios da época. Assim é que Pedro de Albano, autor de um trabalho sobre a nova ciência; Césco Dáscoli, por ter proclamado a teoria do movimento da Terra; Giordano Bruno, por ser astrônomo; Antônio de Dominis e Campanela, por terem professado uma teoria semelhante à de Galileu; Copérnico, autor da ‘Astronomia Nova’; Roger Bacon, o sábio monge de Oxford, pelo fato de ser físico e astrônomo e pesquisar sobre as perseguições movidas contra os que se dedicavam a estas ciências; Francis Bacon, Descartes, por serem astrônomos; o jesuíta Fabri, porque em um sermão aconselhava a igreja a tomar em sentido figurado às passagens das Escrituras, uma vez provada a teoria do movimento da Terra; Galileu, cuja história é por demais conhecida, pela aparição de seus imortais ‘Diálogos’, nos quais o movimento da Terra era estabelecido, conjuntamente com outras verdades da Astronomia e da Física, foram todos sacrificados. Entre os sábios citados, uns foram queimados em efígie, porque morreram nas masmorras, outros atirados, em nome de DEUS, às chamas vingadoras, ou perseguidos pelos padres e beatos durante toda a existência. Temos mais, o filósofo italiano Vanini, queimado vivo em companhia de dois monges e que subiu ao suplício com uma coragem admirável, a contrastar com a covardia de seus infelizes algozes. Centenas de outros foram presos em masmorras e lá morreram por pregarem a verdade da Ciência, a maior revelação de DEUS às suas criaturas.

(…) A igreja de Roma formula seus dogmas, procura impô-los aos homens, com especialidade às massas ignorantes, grita alto que tudo é revelação divina. Chega a Ciência e destrói um a um esses mistérios, esses milagres inconcebíveis da criação. Milagre, mistério e dogma, trigêmeos nascidos na sombra. Se a luz lhes bate em cima, eles desaparecem, porque a mentira nunca prevaleceu sobre a verdade. Spinoza, o mais célebre filósofo do século XVII, fez observar com muito espírito, que não será pelos milagres e pelos prodígios que se poderá chegar à conclusão da existência de DEUS, mas ao contrário, pela ordem fixa e imutável da natureza, e que esta ordem permanente é um milagre imensamente maior do que a revogação passageira de uma das leis naturais. Um milagre, diz com muita razão Voltaire, é a violação das leis matemáticas, divinas, imutáveis, eternas. Por esta simples exposição, o milagre é uma contradição. Uma lei não pode ser imutável e violada.

(…) Todas as religiões dogmáticas têm a Ciência como a sua maior inimiga, porque ela vai impiedosamente destruindo dogmas, sem o intuito preconcebido de agradar ou desagradar. Vai lentamente cumprindo o seu fado, ou seja, o de colocar o homem no seu verdadeiro caminho, fazendo com que este sempre marche para a frente sem impregnar-se nas velharias passadas, sem consistência, e cuja aceitação nos tempos que correm vão se tornando ridículas. Eis o motivo pelo qual a Ciência sempre foi combatida pelo dogmatismo. As revelações da Ciência não são contra o princípio da grandeza infinita do Criador, antes, nos extasiam de admiração e de espanto pela sua onipotência. Por que, pois, dar guarida a fábulas sem consistência, que envergonham a razão humana? Não será muito mais racional admitir a evolução da espécie, marchando paralela com a evolução do espírito? A alma foi formada pouco a pouco nos reinos viventes inferiores, para adquirir no homem o seu grande desenvolvimento atual. Ela cumpriu esta evolução dentro de um sem número de encarnações, nos organismos cada vez mais aperfeiçoados. A ‘morte’ a que todos estamos sujeitos, é bem realmente um episódio da vida e não a interrupção, é uma simples mudança de corpos; a alma deixa seu invólucro como quem deixa uma roupa imprestável, para tomar outra nova e melhorada.

(…) Há uma lei incontestavelmente sábia que não pode ser esclarecida pela fé. Esta última, quando muito, pode, dentro das possibilidades humanas, imaginar a grandeza incomensurável da inteligência e do poder que presidiu à criação do universo; pode ter um senso moral que, sem dúvida alguma, engrandece a espécie, quando não se limita ao terreno das teorias vazias, mas não pode acorrentar a Ciência, a Ciência que dia a dia mais ilumina, mais evolui, como evoluem a forma e o espírito. E assim sendo, a fé mal orientada, a fé sem raízes na inteligência, a fé dogmática, em vez de melhor interpretar o infinito Criador, restringe-o, torna-o incompreensível, apresenta-o como a suprema injustiça ante as disparidades da vida. O Ser Supremo não passaria de um símbolo.

(…) Há aproximadamente cem anos, Charles Darwin dava o primeiro golpe de morte na narrativa bíblica da criação do homem, tomada em sentido literal. E o clero, que não dorme principalmente quando se trata de defender os dogmas da igreja, foi mobilizado e moveu a mais tenaz perseguição ao sábio eminente. Foi assim Darwin, como todo pioneiro de uma causa verdadeira, vítima das maiores injustiças. Mas como DEUS escreve direito mesmo por linhas tortas, todos os adversários da religião católica se tornaram partidários da doutrina darwiniana e assim, o clero, mais uma vez, contra os seus propósitos, foi o maior propagandista da popularidade do grande cientista inglês.

(…) O homem recebe a verdade em doses homeopáticas e de acordo com a época em que vive. A verdade não conhece mistérios, nem dogmas, nem milagres. A necessidade de enganar, de iludir faz parte sempre dos mesmos mistérios, dogmas e milagres.

(…) Os homens desvirtuam tudo, mutilam, enxertam, interpolam, modificam, tendo em vista, não a sublimidade, a essência inestimável da Filosofia, mas, ao contrário, a mesquinhez de suas conveniências materiais. Se o Cristianismo tivesse que se apoiar em alfarrábios, o Filho de DEUS nô-los teria legado. Mas em sua prudência e sabedoria, divisando a confusão que se estabeleceria através do nevoeiro das gerações futuras, contentou-se em aconselhar aos seus apóstolos que pregassem a boa nova: ‘Ide e pregai o meu Evangelho’.

(…) Sofrem todos os pioneiros das grandes ideias. A morte nunca acovardou os luminares do mundo. Todos se entregaram a ela, mas não souberam abdicar de suas convicções.

(…) Assim, pois, a questão imposta pelo clero católico ao povo cristão sobre a ressurreição da carne cai por terra, em virtude de sua impossibilidade! Raciocinemos: as moléculas que compõem nosso corpo atual pertenceram num passado a um sem número de corpos humanos, vegetais e animais, e pertencerão a milhares de outros corpos. No dia do Juízo Final, qual seria o verdadeiro dono dessas moléculas, uma vez que elas pertenceram a tantos outros corpos?

(…) A ideia de DEUS implica a de uma ordem perfeita que rege o Universo com suas leis eternas e imutáveis. Daí se vê que um milagre da maneira como é imposto às mentes humanas, é uma violação das leis divinas, imutáveis e eternas. DEUS constroi em favor dos homens e não em favor de alguns homens, apesar do nada que os homens representam em face do Universo. Somos menos que um pequeno formigueiro diante da vastidão dos mundos. Não será, assim, um absurdo o imaginar-se que o Ser infinito vivesse a intervir em suas leis em favor de um pequeno número de formigas, contrariando, destarte, o jogo eterno dessas energias incalculáveis que fazem movimentar o Universo sem-fim? Contentemo-nos com o maior dos milagres, com a ordem prodigiosa da natureza, com a rotação de bilhões de mundos em torno de milhões de sóis, com a atividade da luz, com a vida dos animais, porque estes são milagres perpétuos. De entre algumas fantasias inadmissíveis encontradas na Bíblia e tomadas como verdades incontestáveis por muitos, surgem a de um Sansão a operar prodígios com sua força imensa, concentrada nos cabelos, a trespassar com sua espada trinta filisteus de uma só vez, a dizimar por completo, apenas, com uma queixada de burro, mil filisteus, a derrubar as colunas de um templo e a estrangular um leão quando ainda muito criança, etc. Vemos um Balaão em interessante palestra com o seu burro; Jonas engolido por uma baleia, que só se alimenta de peixes pequenos, não se sabe se vomitado ou defecado três dias depois, em uma praia; Elias subindo ao Céu em um carro de fogo; Josué fazendo parar o Sol, fato este que atirou muitos homens eminentes, porque discordassem dessa infantilidade, nas chamas vingadoras da ‘Santa Inquisição’ e em nome de DEUS…

(…) A ideia do milagre é, pois, contrária à sabedoria divina. O Ser Supremo age de maneira soberanamente inteligente sobre toda a criação. Ele não pode querer a desordem, nem cometer um ato absurdo para a satisfação pessoal de uma religião, qualquer que ela seja. O caráter principal do milagre é sobretudo o de ser insólito; uma pedra que sua sangue; estátuas que derramam lágrimas dos olhos; eis os milagres para o vulgo. Todavia, uma vez que se pode produzir espontaneamente ou é comprovada a fraude, não é mais um milagre. A Ciência produz constantemente milagres aos olhos dos ignorantes; eis por que, no passado, aqueles que sabiam mais que o povo comum passavam por feiticeiros; e como se acreditava que toda a Ciência vinha do diabo, eram atirados à fogueira, em nome de DEUS. Para um selvagem tudo o que é novo é milagroso. Um brinquedo mecânico, um fogo de artifício, um imã, um fuzil, um relógio são prodígios que eles só podem atribuir a um poder soberano. Quem poderia imaginar num passado longínquo as descobertas modernas da Ciência: o rádio, a televisão, os aviões supersônicos que cruzam os ares em todas as direções, percorrendo mais de mil quilômetros por hora e outras realizações contemporâneas? Quem poderia sequer imaginar que o vírus de certas moléstias contagiosas, invisíveis a nossos olhos, fosse capaz de dizimar populações inteiras? Assim, aquilo que era julgado como só podendo pertencer a um poder sobrenatural, produz-se a nossos olhos e se explica logicamente, em virtude das leis que não cessam de reger os mundos. O que nos resta hoje dos milagres bíblicos? Quase nada. Aquilo que se considerava milagre e que a Bíblia narra à farta, como o êxtase, a vidência, a transfiguração, a catalepsia, as aparições, a vista psíquica e as curas instantâneas, passaram hoje ao rol das coisas comuns”.

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